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A História do Super Plunf

 

A animação Super Plunf  começou a ser criada em 2010, a partir de um projeto do LAPIS - Laboratório de Pesquisa em Imagem e Som, por um grupo integrado por alunos, técnicos e professores do Curso de Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2011 o roteiro foi contemplado com o  VI Premio FUNCINE de Produção Audiovisual “Armando Carreirão” .  A partir deste ano o projeto passou a contar com a participação de estudantes de outras áreas do conhecimento e com a contribuição de diversos profissionais das artes audiovisuais. O que era uma proposta relativamente modesta acabou ganhando uma dimensão e qualidade inesperadas graças às pessoas criativas e dedicadas que se envolveram com o projeto.

 

Percursos do LAPIS

 

O LAPIS - vinculado ao Departamento de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC - começou a se constituir em 1994 com o objetivo de investigar, de forma experimental, as articulações entre o conhecimento histórico e o audiovisual. A partir de 1996, passou a oferecer a disciplina Oficinas de Vídeo-História aos alunos da Graduação, que se tornaram um espaço para experimentação de formas de abordar e de narrar a história através da matéria sonora e visual. Para saber mais ...

 

De 1996 até 2005 as Oficinas de Vídeo-História foram direcionadas à realização de documentários e tinham como proposta envolver os alunos nas diversas etapas do processo de produção. Inicialmente eram exibidos diversos audiovisuais com enfoque histórico, e eram analisadas as abordagens adotadas e as estratégias narrativas utilizadas para conduzir o fazer cognitivo do espectador.

 

Embora o documentário seja frequentemente concebido como um espelho do real, na medida em que sua narrativa é constituída por depoimentos e imagens que não são de natureza ficcional, entendemos que a utilização de documentários no ensino da história deve adotar como ponto de partida uma atitude de desconfiança em relação à noção de fidelidade ao real. Isto significa enfatizar que um documentário é constituído por escolhas e intencionalidades.

 

Na realização de um documentário são feitas diversas escolhas: o problema que será abordado, os sujeitos que serão entrevistados, o modo como estes sujeitos serão filmados, as partes dos depoimentos que serão utilizadas, a sequência em que os fragmentos dos depoimentos serão editados, as imagens e os sons que serão associadas aos depoimentos etc. Todas estas escolhas implicam no modo como é construído o conhecimento e no modo como uma ação persuasiva é exercida sobre o espectador.

 

Utilizar um documentário no ensino é, portanto, uma oportunidade de ir além da discussão do conteúdo e refletir sobre a construção do conhecimento. Neste sentido é oportuno enfatizar que o texto de um historiador também é produto de uma pluralidade de escolhas e de encadeamentos argumentativos.

 

Em 2006, por diversas razões, paramos de trabalhar com documentários e  passamos a realizar experiências com técnicas de animação - sobretudo stop motion com recortes em papel –  e com narrativas ficcionais nas produções das Oficinas de Vídeo-História. Estas experiências têm buscado aliar processos artesanais de baixo custo com recursos digitais de fácil acesso, e resultaram no desenvolvimento de metodologias para os professores criarem animações com seus alunos no Ensino Fundamental e Médio. A animação "Zé Maneca" (2009) foi o ponto de partida desta metodologia, abordada no texto "Produção de animação e construção de conceitos históricos".

 

Na página do LAPIS, estão disponívies os documentários e as animações produzidos nas Oficinas.

Percursos do Lapis

Por que animação no Ensino

 

Optamos por trabalhar com animação porque esta modalidade de audiovisual possui algumas singularidades que contribuem para iniciar os alunos no exercício de reflexões sobre a produção do conhecimento histórico. As diferentes técnicas de animação (desenho, computação gráfica, stop motion) têm em comum o fato de que os personagens e os cenários, aquilo que é visto como sendo os elementos do ambiente histórico (sujeitos, espaços) precisa ser deliberadamente construído, diferente do que ocorre no documentário, no qual a câmera, em princípio, registra o que previamente já existe no mundo.

 

Como consequência, uma das possibilidades da animação é a simplificação e estilização dos personagens e cenários, o que podemos denominar de cartunização. Com poucos elementos gráficos e sonoros é possível sugerir conceitos como cidade, fábrica, campo ou escola. Mas este processo de simplificação e estilização também está presente no tratamento das relações humanas. Na produção de uma animação são criadas soluções, com imagens e sons, para propiciar experiências sensíveis de noções como tempo, espaço, causa-efeito, solidariedade, hierarquia, dominação etc. Ou seja, se na produção do conhecimento histórico a experiência sensível é transformada em conceitos, na animação podemos transformar os conceitos em signos visuais e sonoros que sugerem formas do mundo sensível. Esta característica da animação auxilia o aluno a refletir sobre as elaborações conceituais que caracterizam a produção do conhecimento - perspectiva que é uma tendência crescente no ensino da história.

 

Para a realização das animações optamos pela técnica de stop motion, utilizando cenários miniaturizados. Os personagens são feitos de arame flexível e, com base no roteiro e no storyboard, são fotografados quadro-a-quadro. Por exemplo, se o personagem vai levar a mão até a cabeça, são feitas diversas fotos, em cada uma delas o braço, que inicialmente estava todo abaixado, é flexionado e levantado um pouco mais, até alcançar a cabeça. A exibição destas fotos em sequência passa a ideia de movimento.

 

Nas atividades de criação de animações em escolas, uma das vantagens da técnica de stop motion é que os alunos não precisam ter habilidade com o desenho, a outra é que eles são motivados a se envolver na produção artesanal dos cenários, dos personagens e dos objetos cênicos. O computador só é necessário para a montagem final da animação, quando as fotos são colocadas em sequência e é acrescentado o áudio.

 

Entendemos que a realização de uma animação, por ter um caráter lúdico, mobiliza os alunos para atividades que envolvem diversas habilidades, desde a pesquisa de conteúdos, a criação de narrativas, a elaboração de roteiros, a pesquisa de conteúdos e de materiais e a construção manual dos cenários e personagens. Estas atividades culminam com a apropriação criativa de equipamentos audiovisuais e com o domínio dos recursos próprios à narrativa audiovisual. Além de motivar os alunos para a pesquisa e para a produção do conhecimento, a realização de um vídeo de animação favorece a articulação de diversas disciplinas.

 

Por que animacao

Motivações do Projeto Super Plunf

 

Nas décadas recentes vêm ocorrendo uma contínua diversificação de tecnologias para a produção de audiovisuais, com significativa redução de custos, e também uma ampliação das formas de exibição em ações educativa: educação presencial, ensino a distância, TVs educativas e acesso a audiovisuais através das tecnologias móveis.

 

Todavia são escassas as pesquisas relacionadas à produção de conteúdos audiovisuais educativos, produção que com frequência fica condicionada a uma divisão previamente estabelecida entre produtores de conteúdo, com pouco conhecimento sobre o audiovisual, e produtores de audiovisual, com pouco conhecimento sobre os conteúdos abordados. Desse procedimento resultam, regra geral,  produtos limitados tanto no conteúdo quanto na forma. Embora exista uma demanda de produção, não há programas de fomento à pesquisa de audiovisuais educativos.

 

Além da intenção de fomentar reflexões sobre as práticas alimentares, há também no projeto a intenção de experimentar novas possibilidades para o audiovisual educativo através de uma abordagem histórica que valoriza a reflexão, a imaginação e a sensibilidade estética. No processo de realização do Super Plunf buscamos constituir a equipe de trabalho integrando o conhecimento histórico e os conhecimentos envolvidos na produção audiovisual. Alguns destes pressupostos que nortearam a concepção do Super Plunf já estavam presentes na criação da animação "A linha de fuga" (1997).

 

Super Plunf é o resultado de uma longa trajetória de experiências realizadas no LAPIS e testemunha que é possível, com as condições de trabalho e infraestrutura das Universidades Públicas, desenvolver conteúdos audiovisuais educativos com qualidade.

 

Motivações do Projeto

Viabilização do Projeto

 

A animação Super Plunf só foi possível devido às condições oferecidas pela Universidade Federal de Santa Catarina, a começar pela infraestrutura física do LAPIS no Centro de Filosofia e Ciências Humanas e pelo apoio do Departamento de História aos diversos projetos do Laboratório.

 

O amadurecimento das experiências foi acompanhado desde o ano 2000  com o entusiasmo e criatividade pelo servidor técnico-administrativo Paulo Henrique Gonçalves. A participação de alunos foi decisiva para o desenvolvimento do projeto, que foi apoiado pelo Programa de Bolsas de Extensão –PROBOLSAS da  Pró-Reitoria de Extensão – PROEX. Quando, em 2011, o roteiro foi contemplado no 6º Premio FUNCINE de produção audiovisual “Armando Carreirão”, passou a contar com a participação de artistas e de outros profissionais do audiovisual. O roteiro premiado também resultou em parcerias. O tratamento do roteiro e o planejamento da produção contou com a tutoria de Paolo Conti, diretor da Animaking, que produziu o longa metragem “Minhocas”.

 

A realização da animação SuperPlunf implicou na adaptação do espaço físico do LAPIS, na adequação de equipamentos, na formação e treinamento de uma equipe, no desenvolvimento de metodologias para a realização de cada uma das etapas do processo e na aquisição de conhecimentos específicos à cada uma destas etapas.  

 

Pela primeira vez foi realizada no LAPIS uma produção audiovisual contando com participação de diversos professores, servidores técnicos, alunos e profissionais especializados, contribuindo nas etapas de criação do argumento, realização da pesquisa histórica, desenvolvimento da proposta pedagógica, elaboração do roteiro, definição dos conceitos visuais para os cenários e personagens, construção dos cenários e personagens, criação do storyboard, concepção e criação tema musical e efeitos sonoros, animação dos personagens, direção de fotografia,  edição de áudio e vídeo e finalização.

 

A realização do projeto Super Plunf demonstra que é plenamente viável a possibilidade de se constituir nas Universidade polos de pesquisa, produção e difusão de audiovisuais educativos. É desejável que esta realização contribua para sensibilizar a administração das Universidades e o Ministério da Educação quanto ao potencial de realização existente nas IFES e a necessidade de criar mecanismo e programas de incentivo ao desenvolvimento de audiovisuais educativos.

Viabilizacao do Projeto

Construção da Narrativa

 

Inicialmente pensávamos em escolher algum episódio significativo da história catarinense para ser objeto de um exercício de reflexão, a partir do qual seria criada uma trama ficcional. Fizemos pesquisas e exercícios de criação dentro desta perspectiva sem resultados consistentes. Em uma das reuniões uma bolsista teve uma crise de hipoglicemia e foi levada para a emergência do Hospital Universitário. Posteriormente, conversando com os bolsistas, constatamos certas rotinas alimentares compartilhadas por eles, caracterizadas pelo consumo de alimentos de preparo rápido. Com base neste episódio discutimos sobre a pertinência de levar para a escola uma reflexão sobre a historicidade das práticas relacionadas a alimentação.

 

Começamos a conceber o argumento visualizando três grandes momentos na história da alimentação. Um primeiro grande momento englobando um modo de alimentação cujo sistema tecnológico precedeu a revolução industrial. Este sistema se originou nas sociedades neolíticas e persiste em algumas sociedades rurais contemporâneas, sendo caracterizado pela extensão do tempo dedicado à obtenção e preparo dos alimentos. Elementos como o forno a lenha, a água de poço, os equipamentos de barro e madeira, e a alimentação proveniente da produção de subsistência tipificam este modo de existência.

 O segundo momento seria aquele em que o preparo passou a contar com uma diversidade de utensílios e equipamentos produzidos pela sociedade industrial (eletrodomésticos, plástico, enlatados etc.), reduzindo o tempo dedicado ao preparo dos alimentos e aumentando as mediações técnicas entre as mãos e os alimentos. O terceiro momento corresponderia à alimentação fast-food, que tende a desmaterializar os espaços domésticos (e os utensílios) de produção e de consumo de alimentos, e a tornar tanto o preparo quanto o consumo quase instantâneos, minimizando a duração da experiência alimentar.

 

Para expor as diferenças entre os três ambientes alimentares, concebemos uma trama ficcional, que inicia com um garoto com cerca de onze anos que só come alimentos preparados no micro-ondas, e vive em um pequeno apartamento onde já não existem nem cozinha nem espaço de refeição. O mobiliário se resume ao micro-ondas, à prateleira com caixas de comida, à lixeira e à mesa do computador onde ele faz as refeições.

 

Do ponto de vista da trama ficcional o desafio foi  estabelecer uma motivação para o Menino sair do seu apartamento, passar pelo ambiente alimentar da sociedade industrial e, depois, chegar até a ambiente pré-industrial. A solução que criamos inseriu um elemento fantasioso e lúdico na narrativa: o Menino é visitado por um Coelho.

 

No roteiro contemplado pelo FUNCINE haviam diversos elmentos que remetiam a aspectos culturais do Estado de Santa Catarina. O Coelho era deixado em uma cesta na porta do Menino, que moraria em Florianópolis, em um pequeno apartamento com sua Mãe e com seu Pai, afrodescendente. Na cesta o Menino encontrava um envelope com fotografias do Coelho ajudando um homem a preparar comida, e um CD contendo um clip de vídeo que mostrava este homem provando uma porção de comida e exclamando “humm”. O Menino ficava curioso, pois desconhecia a experiência com o sabor dos alimentos que provocou esse som de satisfação. O que motivava a jornada do Menino era a necessidade de alimentar o Coelho. Era esta motivação que o levava até a casa dos avós maternos, situada no Vale do Itajaí. A Avó seria descendente de alemães e sua casa teria traços da colonização alemã na fachada, no jardim e nos interiores. A cozinha teria os equipamentos de uma cozinha moderna, mas com uma estética já meio envelhecida. Para as crianças de hoje uma estética antiga, porém familiar, remete aos anos 80 (quando muito aos 70) que pode ser encontrada nas casas dos seus. O terceiro ambiente seria a casa dos bisavós, uma casa de colonos no oeste de Santa Catarina. O bisavô seria um descendente de italianos, casado com uma kaingang. Eles morariam em uma casa de madeira. Pretendíamos mostrar o espaço externo da casa dos bisavós para evidenciar que a obtenção da alimentação envolvia o dia todo, já começando pela manhã, com a lenha, a água, o leite etc. A cozinha teria um fogão a lenha, uma bacia com água junto à janela, uma mesa com cadeiras e equipamentos de barro e de madeira. Pretendíamos caracterizar a arquitetura, a geografia, a tipologia humana e os aspectos culturais dos hábitos culinários.

 

Este roteiro possivelmente implicaria em uma animação com duração de quinze a vinte minutos. Fomos aconselhados por Paolo Conti a simplificar ao máximo, simplificar a narrativa, os cenários, o número de personagens, os movimentos e a quantidade de planos. Por outro lado, recomendou que realizássemos a animação com a máxima consciência das etapas envolvidas e com a melhor qualidade possível. Seguimos esta orientação, mantendo a essência do roteiro original.

Construcao da narrativa

Cadê a história com “H”?

 

Os filmes históricos, regra geral, partem de uma biografia ou de um fato memorável e, através do procedimento conhecido como reconstituição de época, criam uma forma para o passado, através dos cenários, dos objetos cênicos e do vestuário. Neste gênero, embora a reconstituição de época recorra muitas vezes à consultoria de historiadores, o aspecto mais importante da narrativa seria aquele ligado ao conteúdo, ou seja, um acontecimento histórico relevante (a Revolução Francesa, a Guerra dos Cem anos, a Independência do Brasil, a Guerra de Canudos etc.) que é dramatizado.

 

Na produção do Super Plunf foram feitas diversas escolhas em relaçãa a narrativa. Não há diálogos nem há a fala de um narrador explicando os acontecimentos, o que implica que as imagens e sons assumem o primeiro plano e que é da sua articulação que depende a inteligibilidade da narrativa. A opção por utilizar recursos da narrativa ficcional não remete aos grandes eventos históricos. Um Coelho interage, de modo humanizado, com o personagem principal. Para melhor evidenciar as direrenças entre três experiências alimentares, as características dos ambientes são estilizadas, exageradas. Então, onde está presente o conhecimento histórico?

 

Compartilhamos da perspectiva que entende que o conhecimento histórico não é, necessariamente, constituído por datas memoráveis, personagens famosos ou grandes eventos, mas sim corresponde à capacidade de apreender a historicidade da condição humana. Nesta perspectiva os gestos dos personagens, as relações que estabelecem com os objetos, o modo como realizam seus afazeres, a forma dos objetos, enfim aquilo que seria a “mise-en-scène”  da narrativa audiovisual pode se tornar o meio privilegiado pelo qual o espectador percebe a historicidade. Ou seja, o conteúdo histórico está presente justamente nas formas de representação das coisas, formas visuais e sonoras. São os objetos, os materiais,  os gestos, os ruídos, as tecnologias, que evidenciam a historicidade da experiência alimentar.

 

Na construção da narrativa do Super Plunf foram sobrepostas três camadas: as transformações na alimentação; a aventura do personagem; e os conflitos de valores. A primeira dimensão corresponde ao que tradicionalmente seria chamado de conteúdo. Poderíamos dizer que é o aspecto documental da narrativa, a exposição das características de cada um dos ambientes. A segunda dimensão é constituída pela trama ficcional, ou seja, aquilo que engaja o personagem na aventura de atravessar os três ambientes e também engaja o espectador em uma atividade que simultaneamente é lúdica e promove o desejo de conhecer. A terceira dimensão da narrativa remete aos conflitos  entre os valores de cada um dos ambientes. Estes conflitos são os elementos que conectam a trama ficcional e o conhecimento histórico, ao evidenciar, através das diferenças e transformações, a dimensão histórica da experiência alimentar. Os conflitos que o Menino tem que enfrentar com relação à alimentação e aos valores presentes em cada um dos ambientes correspondem a dinâmica emocional da trama, mas correspondem também àquilo que está em jogo nas transformações históricas: as tensões relacionadas às mudanças nas práticas e nos valores.

Cade a historia
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